Por Eguinaldo Hélio de Souza
ALFRED DREYFUS NA ILHA DO DIABO
No extremo Norte da América do Sul, a cerca de 28 milhas de Caiena, capital da Guiana Francesa situam-se as chamadas Ilhas da Salvação. Trata-se de um pequeno arquipélago, formado por três ilhas igualmente pequenas, transformadas pelo governo Francês em colônia penal. A menor e mais meridional delas recebeu o nome de Ilha do Diabo. Não é mais do que uma estreita faixa de terra, com uma área total de meio kilômetro quadrado. Seu aspecto é extremamente severo, e exceto por algumas poucas palmeiras que aqui e ali surgem, o ambiente é desnudo, desprovido de vegetação. Até tornar-se uma área de segurança máxima, o lugar abrigará uma colônia de leprosos.
Foi ali que em 13 de abril de 1895 chegou o primeiro condenado. Era um ex-capitão da Marinha Francesa, acusado de vender documentos secretos para a Alemanha, um grave crime de traição. Seu nome era Alfred Dreyfuss, e embora as provas contra ele fossem insuficientes, ser judeu foi o verdadeiro fator que decidiu sua sentença. Tanto ele como os que direta ou indiretamente acompanharam o processo, sabiam que o verdadeiro motivo da condenação fora o anti-semitismo encoberto.
O caso gerou grande polêmica e marcou o período da terceira República na França, entrando para a história como “O Caso Dreyfus”. Os círculos intelectuais se levantaram para denunciar o veredicto injusto e dezenas de manifestações varreram o país. O famoso novelista Emile Zola, também judeu, fez publicar em primeira página do jornal “L’Aurore” o Edital “Eu acuso”. Uma reavaliação do caso foi exigida. O país inteiro se dividiu entre pró e contra Dreyfuss. O resultado das investigações levou muitos dos envolvidos a perda de seus cargos ou ao suicídio.
Mas enquanto estas agitações e disputas transtornavam a França, Dreyfuss permaneceu ainda 5 anos na Ilha do Diabo. Até hoje, em determinado ponto da ilha se encontra uma pequena rocha, que recebeu o nome de “banco de Dreyfuss”. Fora ali que por diversas vezes ele se achou sentado a olhar o horizonte, sonhando com a liberdade, refletindo sobre seu triste destino – o destino de um homem que sofreu injustamente, exilado e desterrado por um crime que não cometeu.
Sentia-se exemplo patente daqueles que ficam perplexos ao encarar a vida, incapazes de compreender seu destino, quando esta, ao invés de coroá-los por seus méritos, simplesmente os crucifica na amargura, sem fornecer qualquer explicação. Não podia entender como ele, Alfred Dreyfuss, que havia escolhido a carreira militar para melhor servir à sua pátria, fora por esta mesma pátria tão injustiçado e banido. Ele, que se esforçara tanto em ser um puro francês entre os franceses, tornava-se um criminoso, apenas por trazer nas veias o sangue que não escolhera.
Agora, tudo lhe fora roubado: a pátria, a família, os amigos, os bens, a liberdade. Sobre ele fora colocado o manto da ignomínia e da vergonha. Seus doces sonhos eram agora amarga realidade e tudo isto, única e exclusivamente, por ele ser um judeu, como se a raça de um povo fosse uma maldição permanente, tenazmente agarrada à pele, um fardo ao qual estaria por toda vida condenado a carregar.
A solidão e a angústia, a saudade e a revolta eram seus únicos companheiros ali Naquela Ilha do Diabo, distante de todos e de tudo que ele mais amava, só podia sentir-se como no próprio inferno. Como compreender a vida? Como entende-la? Seria isto possível ainda?
Mas se para muitos que se viram em situação semelhante a de Dreyfuss, a vida não lhes deu uma resposta satisfatória, no caso dele a história se encarregou de justificar seus sofrimentos, transformando a aflição que se abateu sobre ele, na força que daria origem a uma epopéia de luta e de sangue, de glória e triunfo, que haveria de marcar a história do século XX. Justamente em um dos momentos mais dramáticos da sua queda, quando ele foi publicamente deposto de seu cargo e desonrado perante inúmeros espectadores, a sua dor deu início a um movimento que culminaria no nascimento de uma nação e na concretização da esperança bimilenar de um povo.