Por Eguinaldo Hélio de Souza
“Por isso eu louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda. E melhor que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol” (Ec 4.2,3)
O pessimismo do Livro de Eclesiastes às vezes nos parece constrangedor (1.2; 2.16; 4.1-3; 6.1—6; 7.1,2; 8.14; 9.3; 12.8b). Talvez por isto alguns rabinos hesitaram em incluí-lo no Cânon. Ele pinta um mundo onde a morte é melhor do que a vida, e a não existência melhor que a existência. Onde coisas ruins acontecem às pessoas boas e coisas boas acontecem a pessoas ruins. Um mundo onde o mal não é punido e o justo esquecido. Um mundo onde parece que não vale à pena ser bom e justo. Um mundo de opressão sem consolação.
Nossa mente evangélica, embebida de um fé triunfalista, que crê e espera o melhor, prefere muitas vezes “ignorar” certas passagens e considerá-las como afirmações de um Salomão apóstata, que só foi capaz de ver o mal no mundo. Na opinião do Pregador (é o significado da palavra Eclesiastes), este é o pior dos mundos, contradizendo o filósofo Leibinz, que dizia ser este o melhor dos mundos.
E ele tem toda razão. Tudo o que ele disse a respeito da vida e do mundo é verdade. Este mundo é realmente mal. Se não fosse, não precisaríamos nem de fé, nem de esperança, nem de otimismo. Mas porque ele o é, precisamos de tudo isto para sobreviver nele.
O filósofo existencialista Martin Heidegger (1189-1976) traduziu essa situação muito bem ao dizer que a vivência “se dá, sobretudo, pela angústia, mediante a qual o homem toma consciência de que é um ser frágil num mundo cruel e absurdo, onde seu destino é a morte. “
Mas espere. Gostaria de lembrar a todos que o mundo em que vivemos, não é o mundo de Gênesis 1.31, à respeito do qual Deus disse que era “muito bom”. Este é o planeta à cerca do qual Deus disse “homem, maldita é a terra por causa de ti” (Gn 3.17). É um mundo, vamos dizer assim, para usar uma linguagem o mais coloquial possível – “estragado” . O pecado estragou-o, apodreceu-o, condenou-o à morte. A criação ficou entregue à vaidade, à futilidade, à transitoriedade (Rm 8.24,25).
Não só a criação inanimada ou inconsciente, mas o próprio ser humano e todas as suas relações com os outros foi afetada pela queda. Por isso esse mundo nunca vai nos satisfazer. Esta nossa existência atual, nunca nos dará felicidade completa. Pois justamente conhecer Jesus, é adquirir a esperança e possuir a certeza de que algo melhor nos espera. “Pois gememos neste tabernáculo, aguardando nos revestir de nossa habitação que é dos céus” (2 Co 5.2). Com o conhecimento do Evangelho, nos projetamos para a frente, para o que Deus fará. Até a própria natureza geme, aguardando a manifestação dos filhos de Deus, para ser liberta dessa cativeiro da corrupção (Rm 8.19). Nossa pátria é a esperança, pois moramos num futuro prometido por Deus, oposto ao presente século.
Ser cristão é antecipar o futuro. É experimentar hoje, o amanhã de Deus e desejar sua plenitude. É se sentir um corpo estranho, em um mundo estranho, esta linda pintura cheia de pontos horríveis. É olhar para o Além, para a eternidade futura, onde tudo será restaurado e Deus será tudo em todos (1 Co 15.28). Maranata ! Vem Senhor Jesus.