Por Eguinaldo Hélio de Souza
A expressão “fuga do tempo” é a descrição de um tipo de escatologia em que a realização desse futuro não se dá dentro do processo histórico, quer terreno quer universal. Para esse tipo de escatologia o que temos na verdade é um escape do mundo tangível, para o mundo intangível ou espiritual, onde se efetivaram todas as esperanças escatológicas.
Essa escatologia se encaixaria mais adequadamente naquilo que geralmente é descrito como “escatologia individual”, onde as questões que envolvem o futuro se relacionam mais com o futuro do indivíduo do que coletivo ou universal. O destino da alma é desencarnar-se, livrar-se de qualquer ligação com a matéria, evoluir fora do mundo físico. Essa visão de fuga do tempo geralmente se harmoniza com doutrinas reencarnacionistas, onde cabe ao indivíduo escapar de alguma forma do ciclo nocivo de renascimento e morte para atingir “esferas superiores de existência”. A natureza dessas esferas variam de religião para religião, mas o aspecto comum é que em todas elas o lugar final do indivíduo se encontra fora da existência tangível.
Há muito de gnóstico nessa visão escatológica. O gnosticismo, uma corrente de pensamento nascida do neoplatonismo e que mais tarde reuniu elementos judaicos e depois cristãos, rejeitou a matéria como inerentemente má. Nesse contexto seria impossível falar de uma escatologia que terminasse com algo como um corpo glorificado na ressurreição, ou mesmo com uma transformação deste mundo. Só seria possível uma redenção que significasse um escape da matéria. Esse era o conceito do gnosticismo.
Não podemos negar que o céu cristão algumas vezes ganhou tons semelhantes a esse. A idéia de salvação como “ir para o céu” tem mais semelhança com o mundo não físico dos gnósticos e o nirvana dos budistas do que com o conceito cristão-judaico de ressurreição. Pelo menos na mente da maioria dos cristãos. A idéia de deixar este mundo para trás e penetrar no céu de Deus para nunca mais voltar foi muito influenciado por tais conceitos. O novo céu e a nova terra, os corpos incorruptíveis, a ressurreição são temas que as vezes até parecem alheios ao cristianismo e a teologia cristã. Embora se fale tanto, há carência de maiores ênfases e desenvolvimentos.
Geralmente, nessa idéia de fuga do tempo, o que ocorre com o mundo físico e a história é uma colocação dos mesmos em segundo plano. No kardecismo, por exemplo, nosso planeta terra é um mundo de purgação, ou seja, aonde as almas de outros planetas vêm para através do sofrimento diminuir seu carma. Sendo assim, não há uma grande importância para quais rumos a história vai tomar. Não há uma um sentido para o qual a humanidade e a história, coletivamente falando, se destinam. O peso recai sobre as almas de modo particular.
Essa “filosofia escatológica” como poderíamos chamar, muitas vezes se liga a um outro conceito que estaremos analisando, que é o “eterno retorno”, muito ligado aos gregos e mesmo a certas crenças órficas e esotéricas.
Dentro do cristianismo também existe a escatologia individual ou seja, o foco no destino e fim último dos indivíduos. Entretanto, a teologia cristã não estabelece um divórcio entre o futuro do indivíduo e o futuro do cosmo. Ambos são abrangidos e a conclusão de um está ligado à conclusão do outro. Ao
tomarmos os últimos capítulos do livro do Apocalipse, tanto a situação final do ser humano como a situação do cosmo são ali considerados. Não existe exclusão de um em favor do outro. Eles estão presentes nos planos futuros de Deus e ambos são abrangidos na redenção provida na morte, ressurreição e ascensão de Cristo. Indivíduo, coletividade, cosmo, matéria, espírito e tudo o mais fazem parte do todo definido como criação divina.