Por Eguinaldo Hélio de Souza
Não é só o passado do homem que determina o seu hoje, como tanto insistiram os grandes formuladores da ciência da psique humana. Também o futuro do homem, ou melhor, o que ele espera do futuro, determina o seu hoje. Quantos foram refreados em cometer certos atos pelo temor de um julgamento futuro? Quantos não têm dedicado à prática de boas obras esperando uma reencarnação melhor ou ao menos uma redução de seu carma? Quantos não se preocupam de forma alguma com as ações que praticam por acreditar que não existe um amanhã e tudo se resume no hoje?
Em seu diálogo Fédon, o filósofo Platão narra os últimos momentos de seu mestre Sócrates, condenado a tomar cicuta. Enquanto seus discípulos se entristeciam e se angustiavam, o ilustre pensador grego estava tranquilo, pois dizia que justamente a função da filosofia era preparar o homem para morte. A razão de sua busca filosófica morava na casa do amanhã.
Podemos ir mais longe. Sistemas político-filosóficos como o marxismo e o nazismo tiveram suas ações determinadas muitas vezes por conceitos escatológicos. O futuro, na mente doentia de Adolf Hitler, só seria bom se regido por uma mente superior. A purificação da raça ariana e o extermínio da judaica representavam uma purificação da qual resultaria naquilo que o filósofo Friederich Nietzsche chamava de super-homem, ou para ser mais preciso no termo cunhado por ele, no além-homem.
De forma semelhante, as inúmeras mortes perpetradas pelos governos comunistas tiveram como justificativas a criação de um futuro melhor. Era necessário sacrificar as gerações presentes para garantir um mundo melhor para as gerações futuras. Era o pensamento escatológico determinando ações políticas, o futuro criando o presente. Esses homens viam no hoje a semente do amanhã. Seus ilusórios frutos os levaram a semear grãos extremamente venenosos. Quando Hitler disse que seu Reich duraria mil anos, com certeza falava de um apocalipse todo seu, uma profecia própria, uma enganosa predição que o levou a uma guerra louca.
A maioria das atividades humanas, afinal, é profundamente influenciada por nossas expectativas e esperanças acerca do futuro. O lavrador que semeia na primavera age na suposição de que haverá uma colheita no final do verão. O atleta que treina para um triatlo adotará uma programação condicionada pela data de um evento que ainda não é. Sem uma noção das prováveis consequências das nossas ações estaríamos tateando no escuro; sem esperança, sucumbiríamos ao desespero cego.[1]
Diante de fatos como esses, pessoa alguma pode ignorar o poder que os conceitos escatológicos possuem para determinar ações no presente. Seus efeitos sobre os atos do presente são constantes e concretos, como vimos, tanto individual como coletivamente. Muito do que o homem realizou, ele o fez por razões arraigadas no futuro. Como disse John Snyder, “as crenças são poderosas. Elas nunca são meras crenças. Elas dirigem exércitos, criam e derrubam impérios, aceleram ou retardam o destino das nações. Isto se dá especialmente quando as crenças são religiosas”[2]. E podemos dizer: Determinam seu destino eterno. Se alguém crê em uma mentira, não tem como receber o que Deus em verdade tem preparado para o homem.
Henri Nouwen nos deu lindas linhas sobre o efeito do futuro em nossos presentes:
O homem ou a mulher sem esperança no futuro, não vive de maneira criativa o presente. O paradoxo da expectativa é que os que crêem no amanhã vivem melhor hoje; os que esperam que da tristeza surja a alegria descobrem o começo de uma nova vida no centro da velha; os que aguardam ansiosamente a volta do Senhor descobrem que ele já está em seu meio.[3]
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Notas:
[1] WILSON, David A. A História do Futuro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002
[2] SNYDER, John. Reencarnação ou ressurreição. São Paulo: Vida Nova, p. 72, 1984
[3] NOUWEN, Henri. O fruto da solidão. São Paulo: Loyola, 2000