Por Eguinaldo Hélio de Souza
Embora a arqueologia possa vir a ser uma grande ferramenta na compreensão das Escrituras e confirmar a confiabilidade da mesma, isso pode não acontecer por causa dos pressupostos de muitos arqueólogos. Eles não chegam às suas conclusões livres de ideias prévias e isso influencia o modo como vêem as coisas. Por isso, não fique admirado se porventura muitos eruditos se utilizarem da arqueologia para desafiar a verdade bíblica. Sua visão de mundo os está movendo.
Toda uma forma de pensar e ver o mundo e a natureza da realidade afeta a investigação científica e as proposições dela derivadas. Um caso muito conhecido é o do famoso livro “E a Bíblia tinha razão”, de Werner Keller. Sendo alemão ele foi muito influenciado pela escola liberal de teologia. Isso significa de imediato que ele não poderia aceitar a possibilidade de milagres. Esses só poderiam ser relegados ao aspecto de lenda. Toda sua obra, apesar da grande erudição apresentada, foi afetada por esse fato. Agora imaginem ele analisando a Bíblia e seu valor histórico, tendo nas mãos um livro cujos milagres estão presentes em quase cada página. O resultado só poderia ser uma distorção do texto para se ajustar à sua filosofia naturalista.
A proposta do livro, identificada já no título do livro foi anulada por essa premissa. Ele não acreditava na infalibilidade das Escrituras de modo algum. E seu trabalho foi bastante distorcido por esse fato. Basta lermos o término de sua obra e ficamos cientes dessa deficiência, na verdade, uma forte distorção do valor e da veracidade da Bíblia:
Em outras palavras, a Bíblia não tolera ser comprimida dentro da moldura rígida, apertada, das nossas exigências — por si sós bastante problemáticas — de “verdade histórica” e “objetividade científica”, a não ser que pretendêssemos violá-la. Ela é (ou antes, era) uma obra histórica, mas não no sentido como nós o compreendemos. Ela é a narração de um povo e seu deus, cujas disposições foram sentidas pelos seus adeptos, na própria carne, ao longo da história. E ela nem pretende constituir-se no protocolo neutro, incorruptível, dos eventos relatados, pois para tanto ela está engajada demais e demasiadamente condicionada à sua época, cuja linguagem fala. E há outro ponto que não deve ser esquecido: a Bíblia serve-se de meios de expressão que nem sempre coincidem com os nossos; também a linguagem bíblica, a fundo, é uma abstração, como nem poderia deixar de ser, porém ela é muito mais rica em quadros demonstrativos do que a nossa, atual. Aquilo que procuramos formular para que seja compreendido da maneira mais fácil e sucinta, a Bíblia transforma em história e, freqüentemente, suas imagens são verdadeiros “enigmas visuais”, ensejando interpretações múltiplas, o que, não raras vezes, é nitidamente intencional.
(…)
Todavia, será que a Bíblia tem razão? Por certo, isso pode ser confirmado, sem quaisquer reservas, quanto às passagens que foram autenticadas, ou por genuínas fontes paralelas, extrabíblicas,
ou por achados arqueológicos. No entanto, ela ainda pode pretender para si mais uma outra forma, a cujo título “tem razão”, na medida em que nos aproximar sucessivamente da sua época e do homem dessa época, a fim de que possamos aprender a inteirar-nos melhor dos seus sermões, das suas parábolas, alegorias, visões, dos seus símbolos, imagens e alusões. Talvez chegue o dia em que teremos condições de confirmar também para uma ou outra passagem, hoje ainda considerada enigmática ou pouco clara: “E a Bíblia tinha razão”, do ponto de vista do seu tempo! 1
Dizer que vale a Bíblia tinha razão do ponto de vista do seu tempo, equivale dizer que ela não tem razão do ponto de vista de nosso tempo. Que a mente moderna não pode aceitar as verdades históricas nela contidas como fatos e não pode aceitar os milagres como reais. Todo o livro é uma tentativa de explicar por meios racionais os milagres e retirar da Bíblia todo elemento sobrenatural, seja a abertura do Mar Vermelho, seja o falar de Deus com Abraão. Essa é a postura do livro.
Quando debatemos com alguém que possui essa visão das Escrituras, não estamos debatendo com um cristão verdadeiro. Certamente ele dirá que a Bíblia é um livro muito importante, mas não que é inerrante. Dirá que é valioso, mas não que é divino. Isso muda tudo. Ele não é um cristão de fato. É outra coisa. O Evangelho para eles não é verdade, é crença.
A Bíblia tem sempre razão, independente do ponto de vista. Ela é a verdade de Deus revelada na história e não depende de ideias e conceitos humanos para ser verdadeira, mas pode ter sua mensagem distorcida por pressupostos enganosos.
E a Bíblia tinha razão é um livro que deseja impedir que as pedras clamem.
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1 KELLER, Werner. …e a Bíblia tinha razão. São Paulo: Círculo do Livro, 1978, pp 425, 426