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Arqueologia e Fé

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

Em muitos pontos a arqueologia liga-se às Escrituras. Torna-se como que uma ciência auxiliar ao estudo da mesma. Sua finalidade que é investigar e conhecer o passado pode e geralmente tem se tornado um elemento de confirmação e comprovação. Isto se dá pela própria natureza do texto e da revelação bíblica.

Primeiramente porque a revelação bíblica se fez dentro do tempo. Ao contrário dos grandes cultos do oriente, como confucionismo e taoísmo cujo conteúdo é resultado de reflexão interior de seus fundadores, a Bíblia tem limites históricos e geográficos. Datas, lugares, pessoas e situações completas estão intimamente ligadas à manifestação dos desígnios de Deus. Apesar da natureza transcendente dessas revelações, elas aconteceram dentro da vivência dos envolvidos e muitas vezes depende deles para sua compreensão.

Os dez mandamentos, por exemplo, foram entregues por Deus a Moisés no Sinai, quando o povo hebreu saiu do Egito e estava sendo conduzido à Canaã. Então temos um lugar geográfico conhecido – Sinai; uma pessoa real envolvida – Moisés; um momento histórico específico – a saída de povo hebreu do Egito. Todos esses são elementos tangíveis, passivos de serem conhecidos por investigação objetiva, como é o caso da arqueologia.

Tomemos outro exemplo, dessa vez do Novo Testamento. Jesus morreu crucificado em Jerusalém, durante o governo de Pôncio Pilatos. Novamente temos um lugar geográfico conhecido – Jerusalém; uma pessoa histórica conhecida – Jesus; um tempo bem definido – o governo de Pôncio Pilatos em Israel. Esses elementos não são primeiramente idéias e sim fatos. Nada de reflexões, mas ações num dado momento, num dado lugar, por uma pessoa específica. O Evangelho não é boa reflexão ou boa opinião. Ele é boa notícia! Ele fala de fatos, não de ideias. E esses fatos, apesar de sua temporalidade e “territoriedade”, ligam-se ao eterno e ao infinito dentro do plano de Deus. A Bíblia é história. História de Deus e Seu Plano.

Contudo, não dizemos que não há elementos subjetivos. Se tomarmos o Livro dos Salmos como um primeiro exemplo, vamos ver que se trata de um hinário, um livro de orações e nossa tendência inicial seria não encontrar nele nenhuma historicidade, não ligá-lo à arqueologia uma vez que exprime algo de natureza íntima. Observando mais de perto contudo, veremos que foram escritos em momentos específicos, como o Salmo 51, por exemplo. Veio como um resultado do pecado de Davi com Bete Seba. Teve um lugar e um tempo e por isso possui elos históricos e geográficos que não podem ser ignorados.

Poderíamos também dizer o mesmo das epístolas, que elas apresentam esse conteúdo não histórico da revelação bíblica. Quando Paulo diz Jesus morreu por nossos pecados está fazendo uma declaração teológica, uma declaração de fé sobre o evento da crucificação. Enquanto para muitos a crucificação de Jesus tem apenas um fundo político, para o apóstolo o fundo político foi secundário.

Ao dizer que a razão da crucificação foram os nossos pecados, ele estava fazendo uma interpretação espiritual sobre os fatos históricos. Em outras palavras, ele dependia dos fatos para fornecer a base teológica. Se a crucificação não fosse um fato histórico, realizado em um lugar concreto em uma situação real, sua afirmação teológica não teria nenhum respaldo, nenhuma credibilidade ou utilidade.

Temos isso bem claro em sua discussão sobre a ressurreição. Alguns teólogos liberais lutaram para provar que o mais importante não era se Jesus havia ressuscitado ou não e sim o fato dos discípulos assim acreditarem. Fizeram uma diferenciação entre fato e crença, sendo que a última independia do primeiro.

O teólogo católico Doyon abordou de forma magistral a questão, insistindo na conexão fato-fé como essencial:

Rudolf Bultmann tomou e expôs com um vigor particular os argumentos dos racionalistas alemães do século XIX, segundo os quais o que nos escritos evangélicos aparece como miraculoso e sobrenatural é criação da imaginação e da fé dos primeiros cristãos e constitui, portanto, um mito: Isto é, um símbolo muito rico e expressivo de uma realidade que se refere à nossa vida humana. Assim, não é verdade, segundo Bultmann, que Cristo ressuscitou. Mas é verdade que nossa fé em Deus transforma de tal modo a nossa vida, que ela se torna para nós uma verdadeira ressurreição.

Este empreendimento chamado desmitização do Novo Testamento não é novo. Já Mateus nos recorda que os sumos sacerdotes subornaram os guardas do supulcro quando lhes ordenaram que dissessem:

Os seus discípulos vieram de noite e roubaram-no enquanto nós dormíamos (Mateus 28.13)

Nós estamos de preferência com o apóstolo Paulo que diz:

Ora, se prega que Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, como dizem alguns entre vós que não há ressurreição de mortos? Mas se não há ressurreição de mortos, também Cristo não foi ressuscitado. E, se Cristo não foi ressuscitado, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsas testemunhas de Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não são ressuscitados. Porque, se os mortos não são ressuscitados, também Cristo não foi ressuscitado. E, se Cristo não foi ressuscitado, é vã a vossa fé, e ainda estais nos vossos pecados. Logo, também os que dormiram em Cristo estão perdidos. (1 Coríntios 15.12-18)

O que o teólogo desejava expressar era que fé não é mero sentimento. Fé é fé em fatos. E fatos deixam suas marcas no tempo e no espaço. E justamente, marcas no tempo e no espaço são objeto de estudo da arqueologia. Podemos contemplar um exemplo muito claro nesse sentido, que nos mostra quão ligada é a arqueologia com a fé bíblica, enfocando a ressurreição de Jesus.

Cremos no registro bíblico que nos diz que Jesus ressuscitou dentre os mortos e subiu aos céus. Logo, se a arqueologia viesse a encontrar um corpo que sem nenhuma sombra de dúvida fosse o corpo de Jesus, então não poderíamos manter a nossa fé. Nesse caso, teria que ser algo realmente inquestionável. Caso porém o fosse, teríamos de reconhecer que ele não ressuscitou. Não poderíamos sustentar a nossa fé porque estaria em desacordo com a realidade dos fatos. E de certo modo foi o que o apóstolo quis dizer.

Olhando por esse prisma, nem mesmo as afirmações teológicas das Escrituras fogem de se tornar tangíveis, de serem apoiadas por ciências históricas como a arqueologia.

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