Por Eguinaldo Hélio de Souza
Estaremos tratando, literalmente, em uma questão de vida e morte. Os que se recusam a discutir sobre o assunto, não percebem que estão tentando fugir do inevitável e que seu silêncio não os poupará de ter que enfrentar estas realidades da existência humana. Vida e morte não são meros assuntos de debate para filósofos e teólogos. É o próprio cerne do universo e de tudo que nele se encontra. O que é a vida? O que é a morte? Mesmo quem não se preocupar com estas perguntas, terá que encarar as respostas.
Dentre as principais correntes religiosas e filosóficas que procuram responder a estas questões, as mais conhecidas são a ressurreição e a reencarnação. A primeira tem seu berço no Oriente Médio, e é proclamada pelo Judaísmo e pelo Cristianismo. Também fez parte do credo zoroastrista e faz parte do credo muçulmano. Quanto à segunda, é produto do Extremo Oriente, tendo na Índia sua maior expressão. É crença integrante do Hinduísmo, do Budismo, de algumas formas de Espiritismo e de diversas correntes esotéricas antigas e modernas. Quando acontece de alguma corrente dessas religiões adotar uma crença que não faz parte original de seu credo, é como resultado de sincretismo.
Embora os detalhes variem, podemos definir ressurreição (do grego anástasis) como a crença de que cada indivíduo que viveu sobre a terra, uma dia voltará a vida em sua forma física para prestar conta dela. Uma única alma para um único corpo. Uma só e única existência para cada indivíduo. Esta ressurreição pode ser para a vida, nos casos dos que desfrutarão da bem-aventurança eterna ou para a morte, no caso dos que receberão punição eterna.
Reencarnação é o retorno sucessivo de uma alma a corpos diferentes, passando diversas vezes pelo ciclo de renascimento e morte, até alcançar um plano superior ou em alguns casos, pode também retornar a um plano inferior dentro da esfera física.
Há uma verdadeira “salada” de conceitos de reencarnação, com variações tanto orientais quanto ocidentais – escreveu o apologista Norman Geisler. Segundo ele a palavra vem do latim re, que quer dizer “ outra vez e “incarnete, que vem de outras duas palavras latinas, in e carnis – “em carne”. Geoffrey Parrinder, autoridade em religiões no mundo, define a reencarnação como sendo “a crença em que a alma, ou algum poder, passa após a morte para outro corpo. Às vezes, outras palavras, tais como transmigração, metempsicose, palingenesia e renascimento, são usadas como sinônimos do termo reencarnação. (GEISLER, Norman e AMANO, J. Yutaka, Reencarnação. Mundo Cristão, São Paulo, 1986).
As tentativas de conciliar tais posições resultará em pura falácia, pois ambas fornecem respostas completamente antagônicas para as questões da vida e da morte. Elas não divergem em algum detalhe sem importância apenas. Elas são totalmente distintas. São visões diferentes e irreconciliáveis do universo, aquilo que os filósofos gostam de chamar de cosmovisão.
É necessário dizer que de nada adianta ao homem tentar fazer uma reconciliação entre as duas. Na verdade, ele precisa fazer uma escolha. Às vezes, diante de uma bifurcação, a angústia do dilema leva a uma tentativa de junção dos caminhos, que termina não levando a lugar algum. A realidade exige uma escolha, uma decisão e não algum tipo de malabarismo filosófico. Que a exposição dessas crenças leve cada um a uma escolha acertada.
Há muitas maneiras de abordarmos a questão da reencarnação. Escolhemos analisa-la diante da doutrina bíblica da ressurreição. É importante que aqueles que acreditam na reencarnação saibam que sequer a palavra foi citada nas Escrituras. Não existe em lugar algum da Bíblia a afirmação de que alguém deve aguardar um retorno de seu espírito à terra em outro corpo que está sendo gerado no útero de uma mulher. Mas há inúmeras promessas para que se espere o dia da ressurreição.
Origem judaica X Origem pagã
Embora Alan Kardec tenha dito que “a reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo 4), isto não é verdade. A ressurreição, conforme crida pelos apóstolos, era uma exclusividade judaica e todas as vezes que foi apresentado ao povo de cultura helênica, foi recebida com grande estranheza.
Quando Paulo chega em Atenas e debate com os filósofos gregos, sua posição é primeiramente recebida com espanto “E alguns dos filósofos epicureus e estóicos contendiam com ele. Uns diziam: Que quer dizer este paroleiro? E outros: Parece que é pregador de deuses estranhos. Porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição” (Atos 17.18). O apóstolo foi então levado ao Aéropago, onde pode fazer uma exposição maior a cerca do Cristianismo. Também aqui, a rejeição do conceito de ressurreição por parte de alguns ficou evidente “E, como ouviram falar da ressurreição dos mortos, uns escarneciam, e outros diziam: Acerca disso te ouviremos outra vez” (Atos 17.32). Para alguns a ressurreição era um absurdo, para os outros, uma novidade. Não era de modo algum semelhante ao conceito de metempsicose que já fora ensinado por seus pensadores, entre eles Platão.
Entre os gregos, a idéia de transmigração de almas está ligada principalmente aos chamados cultos órficos, geralmente envoltos por uma espessa nuvem de mitologia. Platão tratou do assunto em diversos dos seus diálogos, como na República, no Fedro, no Menon, no Timeu e nas Leis. Mas foi principalmente no Fédon que ele se deteve para uma exposição mais minuciosa. Alguns são de opinião de que ele tenha reinterpretado de seu próprio jeito os conceitos existentes no orfismo e em Pitágoras.
No oriente a transmigração de almas tornou-se o ponto central de sua religião. Tudo para um hindu gira em torno da doutrina de vidas sucessivas. O ciclo de morte e reencarnação era o que eles chamavam de roda da vida, a samsara. A situação de uma pessoa era considerada o resultado da vida anterior e sua posição em outra vida seria o resultado de sua vida presente. É o carma.
Entre os judeus, vestígios de idéias semelhantes só vão surgir com Filo de Alexandria, que tinha uma forte influência platônica e posteriormente na Cabala herdeira do neoplatonismo. (Enciclopédia Britânica, verbete metempsicose, Vol XV, Edição 1969). Nunca fizeram parte da ortodoxia judaica ou cristã baseada nas Escrituras vetéreo e neotestamentárias.
A maneira pela qual judeus e não judeus chegaram às suas crenças, são também distintas. Os judeus acreditavam na ressurreição porque essa havia sido revelada por Deus a eles através de seus profetas:
E agora pela esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais estou aqui e sou julgado. À qual as nossas doze tribos esperam chegar, servindo a Deus continuamente, noite e dia. Por esta esperança, ó rei Agripa, eu sou acusado pelos judeus. Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?(…) Mas, alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço, dando testemunho, tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer, isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro da ressurreição dos mortos, devia anunciar a luz a este povo e aos gentios. (At 26.6-822,23)
Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas. (Rm 3.1,2).
Isto é, sua fé era uma fé bíblica, fundamentava-se no fato de que havia um Deus nos céus que se revelou ao homem através de proclamações inspiradas.
Os gregos, todavia, baseavam sua crença no destino da alma humana, em tradições antigas, conscientes de que isto era insuficiente para dar verdadeira segurança. É interessante ver a colocação de Símias, um dos personagens do diálogo “Fédon”., de Platão. Assim disse ele:
É necessário pois a este propósito fazer uma das coisas seguintes: não perder a ocasião de instruir-se, ou procurar aprender por si mesmo, ou então, se não for capaz nem de uma nem de outra dessas ações, ir buscar em uma de nossas antigas tradições humanas o que houver de melhor e menos contestável, deixando-se assim levar como sobre uma jangada, na qual nos arriscaremos a fazer a travessia da vida, uma vez que não a podemos percorrer , com mais segurança e com menos risco, sobre uma transporte mais sólido: quero dizer, uma revelação divina ! (Fédon, Ediouro, p 102)
Também é curioso que a filosofia bramânica não ab-roga para si a infabilidade de uma revelação divina, como aquela expressa na fórmula bíblica “Assim diz o Senhor”. A filosofia hindu encontra-se originalmente exposta na chamada “literatura védica” ou Vedas, que se divide em três partes principais sendo a mais antiga provavelmente os Upanishades. O término desta “literatura sagrada” é uma expressão de dúvida e não de certeza: “O que é esta Realidade? Este Uno e por que se deu este desdobramento na criação, é um mistério. Ko veda? “Quem sabe?”. (TELES, Antonio Xavier, Introdução ao Estudo da Filosofia. Ática, São Paulo, 1991)
Deus, o Deus pessoal descrito nas páginas da Bíblia sabe e a revela ao homem para que este possa conhecer o caminho da verdade e da salvação. As Escrituras jamais se colocam como reflexão, como ponderação. Elas se afirmam como palavra de Deus revelada ao homem, advogando autoridade suprema no que diz respeito às questões espirituais:
Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. (1 Co 2.10 – 13)
Esta é a primeira diferença existente com respeito a crença na ressurreição e na reencarnação. Enquanto a última se apóia em tradições, em mera cogitação do espírito humano, a primeira se coloca como a revelação de Deus para o próprio homem
Bênção Redentora X Maldição eterna
Na verdade o ocidente moderno tomou a doutrina da reencarnação dos povos orientais (hindus) e a trouxe para esta metade do globo modificando o seu caráter. Deu a ela uma benevolência que não possuía a princípio. É engano pensar que os hindus viam bondade na quase infinita sucessão de renascimentos e mortes. Longe de ser fonte de esperança e alegria, a samsara era como uma roda maldita à qual o homem estava amarrado contra a sua vontade. Voltar para este mundo de dor e sofrimento não era visto de forma alguma como um privilégio e sim como uma punição.
Como escreveu Will Durant, “a transmigração da alma ocorre pela primeira vez nos Unipanishads Satapatha, onde se vêem repetidos nascimentos e mortes como um castigo infligidos pelos deuses a uma vida má” (DURANT, Will , Nossa Herança Oriental, Record, p. 279). Nunca foi uma aspiração da alma humana, uma dádiva, um privilégio alegre. Sempre uma maldição da qual os que nela criam procuravam desesperadamente escapar.
São de Gandhi as palavras “Eu não quero renascer”. A mais alta e derradeira aspiração do hindu é escapar à reencarnação, perder o calor do ego que revive com cada renascimento individual. A reencarnação não simbolizava de forma alguma a salvação em si e nem mesmo o caminho para ela. Era de certo modo “a situação de perdição” em que o hindu julgava se encontrar e do qual precisava escapar. Como expressou o famoso poeta hindu Kalidasa em sua obra Shakuntala:
E possa o purpúreo Ser Supremo
Cuja energia vital penetra todo o espaço
De futuras transmigrações salvar-me a alma!
Que diferença encontramos na Bíblia sobre a ressurreição! Longe de ser um estado do qual o crente deseja fugir é justamente aonde ele quer chegar. Ressuscitar é a doce esperança do cristão, que tem na ressurreição de Cristo a prova de que necessita para crer.
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós (1 Pd 1.3,4)
O ocidente recebeu a crença hindu da mentepsicose e a absorveu. Entretanto, a forma como a considerou nada tem haver com seu sentido original. Fez com que esta parecesse algo bom e bonito sendo que de fato não o era. É uma masmorra disfarçada de palácio, um charco de lodo forrado de seda para parecer um deleite. Era condição indesejável para eles não essa maravilha que kardecistas e novaerenses querem fazer parecer.
Talvez a melhor palavra para demonstrar a diferença essencial entre a crença bíblica na ressurreição e a crença pagã na reencarnação seja esperança, enquanto a reencarnação era uma maldição. A ressurreição é uma esperança, um anseio, um desejo do cristão. Ele acredita que está em uma situação de perdição, de morte de corruptibilidade. Essa condição será completamente transformada quando ele atingir o estado de ressurreição. Então ele alcançará um estado glorioso de vitória, será livre.
Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? (1 Co 15.51-55)
Muito diferente disto, a reencarnação nunca foi uma esperança e sim uma frustração, uma cadeia que precisa ser quebrada. O Nirvana de Sidarta Gautama, o Buda, era a busca por uma aniquilação que libertaria o homem deste cativeiro. Nem Gandhi queria renascer. Como, pois igualar reencarnação e ressurreição? Como é possível torna-las sinônimas em qualquer sentido? Parafraseando Tertuliano que dizia “Que tem Jerusalém haver com Atenas?” podemos dizer “Que tem a maldição da transmigração de almas que há tanto tempo causa agonia na mente indiana haver com a gloriosa esperança da ressurreição que por dois milênios enche de alegria e força o coração dos verdadeiros cristãos?”.
Esta segunda diferença entre ressurreição e reencarnação está muito longe de ser uma questão de semântica. É uma questão de essência. As duas idéias, longe de serem sinônimas em qualquer sentido, são antônimos que não podem se unir de forma alguma.
Valorização da Matéria X Rejeição da Matéria
As duas crenças são também antagônicas em sua maneira de ver o mundo. Não precisamos nem mesmo falar da crença hindu chamada maya, segundo a qual este mundo físico não existe, sendo apenas uma mera criação da mente. Em um sentido menos restrito, porém a visão reencarnacionista tende a rejeitar a matéria como algo inerentemente mal.
O mundo físico é sinônimo de imperfeição e, portanto deve ser rejeitado, destruído, anulado ou no mínimo ser ignorado.
Podemos dizer que na visão reencarnacionista jamais haverá salvação para a matéria. Esta deve sempre ser ignorada e negada de alguma forma ou deixada para trás por ser um mero estorvo para o progresso do ser humano. O gnosticismo, um movimento herético do início da Era Cristã, chegava ao ponto de dizer que o Deus Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo não era o mesmo Deus que havia criado o mundo. O Deus que criou o mundo era um demiurgo, um ser mal e perverso. Era inconcebível associar matéria com bem. O docetismo chegou a negar que Jesus tivesse um corpo físico. Para eles, um Salvador não poderia ter qualquer associação à matéria. Como disse o célebre erudito cristão C.S. Lewis, Assim sendo, os cristãos crêem na ressurreição do corpo, enquanto os filósofos da antiguidade consideram o corpo uma simples inconveniência (Milagres).
Ou como diria Sócrates a Símias,o filósofo é aquele que ao contrário de todos os outros homens, afasta tanto quanto pode a alma do contato com o corpo. (Fédon, V) (…) porque enquanto tivermos corpo e nossa alma se encontrar atolada em sua corrupção, jamais podemos alcançar o que almejamos. (Fédon X)
(…) E essa separação, como dissemos, os que mais se esforçam por alcançá-la e os únicos a consegui-la não são os que se dedicam verdadeiramente à Filosofia, e nisso consiste toda a atividade dos filósofos na libertação da alma e na sua separação do corpo?(Fédon, XII)
O judaísmo quando devidamente apoiado nas Escrituras jamais teve esse tipo de aversão. “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1) não oferecia a eles qualquer dificuldade. Seu Deus era o Deus Criador e longe de ser um elemento negativo, a criação é o testemunho de Deus para todo homem, conforme testificou o apóstolo Paulo: Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis (Rm 1.19, 20). O mundo físico jamais foi um tropeço para o judeu e os cristãos. Sempre foi sim um testemunho.
Mas a visão da ressurreição não se limita apenas a aprovar a mundo físico e sim a considerá-lo objeto da obra redentora. A ressurreição não prevê o abandono do corpo e sim sua remissão. O homem integral é tanto físico quanto espiritual. Não signifique que ignore o atual estado material do ser humano e sim que proclama que o homem não deve se ligar do seu corpo e sim tê-lo completamente transformado pelo poder da ressurreição. Novamente temos que citar o grande revelador do Cristianismo, falando apaixonadamente da ressurreição. Em 2 Coríntios 5.1-4 ele fala de sua esperança. Uma versão parafraseada nos dá uma compreensão bem nítida de quanto esta esperança está longe da noção de desencarnação:
Porque nós sabemos que, quando esta tenda em que agora vivermos for desfeita – quando morrermos e deixarmos este corpo – teremos um maravilhoso corpo novo no céu, um lar que será nosso para todo o sempre, feito para nós pelo próprio Deus e não por mãos humanas. Como vamos ficando cada vez mais cansados deste corpo atual! Eis porque esperamos com ansiedade o dia em que teremos um corpo celestial, que vestiremos com roupas novas. Porque nós não seremos apenas espíritos sem corpo. Este corpo terreno nos faz gemer e suspirar, porém não gostaríamos de pensar em morrer e depois não possuir corpo algum. Desejamos revestir-nos do nosso novo corpo, de maneira tal que este corpo mortal seja, por assim dizer, absorvido pela vida eterna (Bíblia Viva)
Esta é a promessa de Deus. Se alguém deseja crer realmente no que Deus diz terá que crer na ressurreição tal como revelada acima, algo muito distante da nebulosa reencarnação que alguns enganosamente tentaram achar na Bíblia. A ressurreição e só a ressurreição é a esperança do cristão. Ele não quer ser “despido” (desencarnado) e sim revestido (receber um novo corpo glorioso). Ressurreição é isto, o propósito de Deus é este. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: “A morte foi destruída pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Co 15.54,55).
Consumação dos Séculos X Ciclo Infindável
Ainda uma outra diferença dessas duas doutrinas é como cada uma delas vê a história humana e individual. Podemos dizer que a reencarnação é representada por um círculo, enquanto a ressurreição é representada por uma linha reta.
Por tradição e por analogia os reencarnacionistas colocam o processo de vida e de morte como um ciclo interminável de renascimentos e mortes. A própria existência obedeceria tal percurso. O tempo é visto como circular. Alguns que acreditam na reencarnação chegam a citar esta analogia como uma prova, sem se perceber que utilizar-se da analogia para explicar um fato é uma coisa. Querer provar um fato por uma analogia é um raciocínio inválido (SNYDER, John. Reencarnação ou Ressurreição, VIDA NOVA, São Paulo, 1984).
Tanto gregos quando hindus enxergavam as coisas deste modo, como escreveu Erich Kahler:
A mudança e a transformação eram vistas [pelos gregos] como um ciclo periódico que refletia ritmicamente a ordem circular do cosmos. E prossegue citando Platão no diálogo Timeu: “uma imagem dinâmica da eternidade (…) imagem a qual temos dado o nome de tempo”
E o próprio Platão comenta ainda:
Os objetos móveis da percepção sensível não são mais do que formas do tempo que imita a eternidade em um movimento circular” (Timeu XXXVIII)
Na Índia o conceito não era diferente. O eterno retorno, o movimento cíclico do universo, a samsara, tudo isto demonstra sua visão do tempo, da vida e da história. Os Puranas, uma série de escritos hindus muito antigos, eram verdadeiros expoentes da teoria cíclica:
Não há criação no sentido do Gênesis; o mundo está continuamente evolvendo e se dissolvendo, crescendo e decrescendo em ciclos, da mesma forma que cada planta e cada organismo animal (…) Não há um propósito último rumo ao qual a totalidade da criação se mova. Não há progresso, mas eterna repetição. ” (DURANT, Will , Nossa Herança Oriental, Record, 1963, p. 345)
Quão diferente é a visão bíblica da vida e da história!! O tempo não é um círculo, mas uma linha reta. Tivemos um início e agora caminhamos para um fim. Saímos de um ponto e estamos nos dirigindo a outro. O termo bíblico “últimos dias” aparece logo no primeiro livro da Bíblia, em Gênesis 49.1, aplicando desde então a idéia de que não estamos em um “carrossel cósmico”, mas em uma espaçonave rumo a algum lugar. O termo vai se repetir continuamente, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento ensinando o crente a esperar por uma conclusão de tudo. Como escreveu Abba Eban, autor da História do Povo de Israel a noção de redenção final é fundamental na idéia profética.
Na verdade, quem deu ao mundo o conceito atual de história foram os judeus. Toda a nossa compreensão parte de sua visão histórica, gerada pela palavra dos profetas:
A noção do homem como tal, como entidade histórica supra étnica e da história como um avanço único, coerente, do desenvolvimento humano, se originou entre os judeus. Eles podem ser considerados como encarnação da experiência essencialmente histórica. (KAHLER, Erich. Que és la historia?,Fondo de Cultura Econômica, México, 1966)
Quem crê na ressurreição não crê em um círculo que recomeça, mas em um processo que chega ao seu fim. Através da criação do povo de Israel, depositário inicial de suas revelações e promessas (Rm 3.1; 9.4,5); através da vinda do Messias, sua morte e ressurreição (1 Co 15.3,4) e por fim, através do cumprimento da Grande Comissão outorgada à Igreja (Mt 28.18-20) o processo de redenção prossegue até o seu fim. Até a consumação dos séculos foi a expresão utilizada por Jesus para demonstrar que, diferente do que dizem os Puranas ou pensem os gregos, há um propósito último rumo ao qual a totalidade da criação se dirige.
A ressurreição não é um evento repetindo-se ad infinitum, um globo da morte girante com toda a criação rodopiando dentro dele e sim um acontecimento único que terá lugar em algum momento no tempo. Eu sei que meu irmão há de ressuscitar na ressurreição do último dia (Jo 11.24 ), disse Maria para Jesus sobre a morte de irmão Lázaro. E Paulo em seu famoso sermão do Areópago escandalizou os cíclicos filósofos gregos com sua proclamação:
Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam; Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos. (Atos 17.30,31)
A ressurreição de Cristo é determinante quanto à direção que caminha a História do mundo. O fato de Jesus ter vencido a morte de forma definitiva abriu o precedente de que a morte pode ser vencida, idéia impensável em qualquer noção ligada à reencarnação. E é justamente esta vitória possível sobre a morte que estabelece o futuro da criação e do universo. A Bíblia ensina que estamos dentro desse processo e que final dele a desarmonia do Universo, representada principalmente pela morte, terá o seu fim e a supremacia divina sobre tudo será fato.
Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda. Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés.(…) E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. (1 Co 15.22-28)
Juízo final, fim dos tempos, consumação dos séculos, últimos dias – são apenas alguns dos termos que são abundantemente bíblicos e servem para demonstrar de modo inequívoco que nenhuma teoria cíclica jamais fez parte do pensamento de Deus. Sua revelação não abre espaço para tais conceitos. Nem mesmo Eclesiastes 1.4-10 pode ser citado a seu favor pois trata-se de uma afirmação de que o ser humano sempre age da mesma maneira “ao longo da história” e não “retornando a ela”. Até que a história chegue a seu fim, os problemas do mundo sempre serão os mesmos.
Reencarnação, Ressurreição e o Problema do Mal
O problema do mal, ainda que tenha ocupado certas mentes filosóficas, é uma questão de fato religiosa. Por que existe o mal no mundo? Se Deus é bom, por que vemos no Universo tantas coisas que nos parecem injustas e perversas? De onde veio o mal? E talvez a mais importante de todas as perguntas: Como escapar do mal?
A reencarnação lida com este problema de modo evasivo. Para ela o problema do mal é inerente à matéria. O mundo é mal por causa da sua realidade física, enquanto o mundo espiritual é o estado perfeito. Logo, a libertação do mal se dá quando o homem “escapa” do mundo material e alcança a esfera não material da vida. Esse escape, como vimos, não é fácil. É somente atingindo este estado de “não reencarnação” ou “não renascimento” que o ser humano consegue ficar bem.
Este caminho todavia não significa uma solução definitiva para o problema do mal. Ele continua a existir, pois seria de certo modo “natural”. O “eterno retorno” é o eterno retorno à condição decadente e corrupta, que deve ser resignadamente aceita uma vez que é imutável. Tal estado de coisas não pode ser mudado. Só é possível fugir dele.
É a versão religiosa do mito grego de Sísifo, no qual ele tinha que rolar uma pedra até o ponto mais alto da vale. Só que ao chegar lá a pedra tornava a rolar para baixo e ele tinha que recomeçar o trabalho, isto indefinidamente. O sistema cosmológico ligado à reencarnação tem o mesmo caráter de desesperança. O homem está sujeito a um “eterno retorno”. Mesmo que escape de uma tal prisão, ele não muda a situação do universo pois este, por sua própria natureza, está fadado a ser para sempre lugar de infelicidade e dor.
Completamente diferente desta visão é a cosmologia bíblica ligada à ressurreição. Nela, o mal não é algo inerente ao universo, mas uma situação indesejada, não natural, invasora, que não fazia parte do propósito original. “E Deus viu tudo o que havia feito e eis que era muito bom” (Gn 1.31). A cosmologia bíblica não aceita o mal, não o categoriza como necessário, mas como irregularidade. Ela não se conforma diante do mal no universo. Ao invés da resignação e conformação, a esperança de transformação por meio da ação divina.
A ressurreição de Cristo dentre os mortos tinha para os judeus o efeito de uma concretização dessa esperança de redenção universal. Todos os casos anteriores de retorno da morte, tanto do antigo como do Novo Testamento, eram apenas um adiamento. Em Jesus houve uma vitória sobre o poder da morte. Os seus efeitos podiam ser revertidos, anulados. O intruso podia ser definitivamente expulso é uma condição de existência livre da decadência, da morte e do mal era possível.
A esperança na ressurreição dos mortos em seu sentido bíblico inclui muito mais do que pessoas que morreram retornando à vida. Significa acima de tudo uma mudança da condição universal, a aniquilação da aniquilação, a morte da morte. Seus efeitos não se restringem ao corpo físico dos seres humanos mas à toda criação pois a criação é obra de Deus e portanto boa e precisa também ser dedimida. Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus. Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. (Rm 8.19-21)
Como escreveu C.S. Lewis em seu Milagres, referindo-se à ressurreição de Cristo: Ele foi obrigado a abrir uma porta que esteve fechada desde a morte do primeiro homem. Ele enfrentou o rei da morte, lutou com ele e venceu-o. Tudo é diferente agora por ele ter feito isso. Este é o início da nova criação: um novo capítulo abriu-se na História Cósmica. (C.S. Lewis Milagres p. 46)
Nesta cosmologia o mal tem um início ilegítimo e tem um fim desejável e possível, garantido por um evento passado, isto é, a ressurreição de Cristo (o passado como garantia do futuro como escreveu Kahler, op. Cit). O universo é valorizado em todos os seus aspectos. Ele precisa ser redimido e não deixado para trás. Há esperança.
Diferentes tipos de salvação
Dentro desse escopo de antagonismo, também a forma de se relacionar com essas crenças tornam-se diferentes, opostas. Na reencarnação temos homens aprisionados em uma situação desconfortável, tentando escapar dela. Para isso é necessário muito esforço próprio. No hinduísmo poucos conseguem escapar da samsara. É necessário se tornar um iogue, um asceta no mais exato senso da palavra, procurando suprimir os desejos e mesmo os sentidos. Os iogues na Índia se tornaram um espetáculo que podemos chamar de horrendo, buscando em vida a anulação de si mesmos:
Homens santos ou iogues, nos quais a religião e a filosofia da Índia encontram sua última expressão. Em menor número encontramo-los nas florestas e à beira das estradas, imóveis e absortos. Alguns velhos, outros moços; alguns usam trapos nos ombros; outros tanga e outros se vestem apenas de cinza e pó, espalhados pelo corpo e cabelo. Sentam-se de pernas cruzadas, imóveis, de olhos fixos no nariz ou no umbigo. Alguns fixam constantemente o sol, tornando-se aos poucos cegos (…) alguns fazem peregrinações de milhares de quilômetros rolando pelo chão como um rolete de pau (…) alguns se trancam dentro de gaiolas onde permanecem até morrer; outros enterram-se até o pescoço e ficam assim anos, ou a vida inteira; alguns atravessam as duas faces com um arame de modo a impossibilitar a abertura da boca e vivem de líquidos; alguns conservam-se com as mãos eternamente cerradas até que as unhas as varem (…) Muitos ficam anos e anos na mesma posição, imóveis, comendo o que o povo lhes trás e deliberadamente embotando os sentidos – na concentração do espírito para a compreensão. (DURANT, Will , Nossa Herança Oriental, Record, 1963)
Este é o caminho da salvação que se harmoniza com a rejeição da matéria, com o esforço próprio para escapar da maldição da Samsara, com a tentativa de amenizar o insuportável jugo do carma. Ao reencarnacionista não é dada qualquer promessa de misericórdia, de graça. A lei do carma é uma lei impessoal, inflexível. Ou ele preenche suas altíssimas exigências ou terá de sofrer suas inegociáveis conseqüências. Não há atenuações, a não ser aquelas que o próprio esforço puder produzir, não há nenhuma tolerância para com a condição de fraqueza humana, nenhuma condescendência.
A verdade é que a aceitação pelas massas da doutrina da reencarnação, não deriva de uma reflexão responsável ou uma fé fundamentada. A quase totalidade dos que dizem acreditar nela apenas o fazem por saber que não conseguirão se livrar de suas culpas por seus próprios esforços e a possibilidade de fazê-lo “à prestação”, em outra ocasião, é muito mais cômoda.
A ressurreição por sua vez é algo que só pode ser realizada por um elemento externo. Nenhum auto-esforço pode produzir a vida ressurreta. Jesus foi ressuscitado dentre os mortos por Deus, o mesmo Deus que há de ressuscitar os que crêem em Jesus. E, se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita (Rm 8.11)
A ressurreição reconhece a atual fragilidade e corruptibilidade da condição humana. Não aceita o mal como inerente, como natural, como objeto de aceitação passiva. Vê o mal como algo que deve ser odiado por tratar-se de um intruso e que pode ser retirado de forma definitiva pois Deus Criador tornou-se também o Deus Redentor através de seu Filho Jesus, confirmando seus propósitos através da ressurreição Dele dentro os mortos. A ressurreição de Jesus Cristo foi uma experiência empírica, testemunhada por um grupo significativo de indivíduos, documentada de forma farta, que se torna a base pra segura de nossa fé.
Não posso e não preciso produzir ressurreição. Preciso crer nela para experimentá-la. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a trazer com ele (1 Ts 4.14). Disse Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim (apenas crê), ainda que esteja morto viverá (João 11.25). A experiência de fé, graça e regeneração desfrutada hoje pelo crente. A presença do Espírito Santo em sua vida, são o penhor, a garantia divina da ressurreição.
Uma questão de vida e morte
Os relativistas que nos perdoem, mas as duas crenças se excluem mutuamente e qualquer tentativa de igualá-las ou sincretizá-las representa um suicídio intelectual. A resumida exposição acima é suficiente para nos provar isso. Não há como as duas posições serem verdadeiras, sendo necessária uma escolha que se errada, terá conseqüências eternas.
Como disse John Snyder as crenças são poderosas. Elas nunca são meras crenças. Elas dirigem exércitos, criam e derrubam impérios, aceleram ou retardam o destino das nações. Isto é especialmente quando as crenças são religiosas (SNYDER, John. Reencarnação ou Ressurreição, VIDA NOVA, São Paulo, 1984). E podemos dizer: Determinam seu destino eterno. Se alguém crê em uma mentira, não tem como receber o que Deus em verdade tem preparado para o homem.
Nenhuma pessoa vai experimentar a reencarnação porque acredita nela. A fé no engano e na mentira não os tornam verdadeiros, por mais intensa que seja esta fé. É necessário amar a verdade e buscá-la até encontrar. A experiência cristã testifica a possibilidade de uma tal certeza.
Podemos encerrar usando as mesmas palavras de Jô, escritas provavelmente a cerca de 3.500 anos atrás:
Quem me dera agora, que as minhas palavras fossem escritas! Quem me dera, fossem gravadas num livro! E que, com pena de ferro, e com chumbo, para sempre fossem esculpidas na rocha. Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, Vê-lo-ei, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão… (Jô 19.23-27)