Por Eguinaldo Hélio de Souza
Então Almitra disse: Fala-nos do amor
(O profeta, Gibran)
Não faças do teu amor teus grilhões. Faça dele asas, que lhe farão chegar às alturas inatingíveis. Teu amor não é um mero sentimento que arrebata. É a vontade que escolhe a quem farás feliz e por quem lutarás. Não é o que te invade de repente, mas aquilo que emana de ti para o outro. Não é incêndio que te cerca. É a fogueira que tu mesmo acendes e alimentas com alegria. Não é uma surpresa. É um querer. Não é um abismo do qual tens de fugir amedrontado. É a montanha que te cabe escalar. É mais uma busca do que um encontro, mais o alvo onde miras do que a flecha que te atinge. Não é de modo algum uma espera, é antes um poderoso mover.
Teu amor não é essa ilusão inatingível. É a tua decisão palpável de realizar, de criar algo novo e belo. É mais o que queres do que o que sentes, mais tuas ações do que tuas reflexões. É menos aquilo que está no teu interior, e mais aquilo que projetaste para fora e se tornou visível. É mais sensitivo do que intuitivo. Ele tem formas, várias formas. E cores, muitas cores. E essências, inumeráveis essências. Se amas realmente, todos veem. Teu amor nasce em teu íntimo, mas jamais permanece ali, pois nada pode conter sua força. Se amas realmente, muitas coisas nascerão desse amor.
O teu amor é também o primeiro prêmio do teu amor. Ele é a principal recompensa de si mesmo. Não precisas aguardar que a semente brote. É belo, por si só, poder semeá-la, pois esta semente é tão bela e boa quanto o seu fruto. Feliz é quem semeia como quem ceifa, quem ama como quem é amado. És feliz não porque és amado, mas porque amais. O amor te faz correr, te faz lutar, te faz viver, te faz voar. Ame o amar. Pois amarás o amor e o amor por fim te amará. E se apegará a ti para jamais deixar-te.
Dissera Camões que tão contrário a si mesmo é o amor. Digo, porém, que não é ele contrário a si mesmo, mas contrário a ti e a mim. Aquilo que ele é, é muitas vezes tudo aquilo que não somos. Aquilo que ele exige é tudo aquilo que negamos. Porventura, não somos, na maioria das vezes, aquilo que não queremos ser? E o amor nos pede justamente aquilo que queremos e que nos sentimos incapazes de ser e de fazer. Embora criados para ele, sentimo-lo como um corpo estranho na estranha essência do que somos. Ainda que ele seja uma necessidade, suas exigências nos assustam. Ele é o dono da casa para quem nem sempre nos dispomos a abrir a porta. E seu bater é muitas vezes o nosso incômodo.
Ele é, sim, a doçura da dor, a fraqueza mais forte, a tristeza feliz, a resposta silenciosa dos “porquês”. Não, ele não é cego, apenas vê mais longe e mais fundo. Não, ele não é tolo, apenas não pode ser compreendido com a sabedoria deste mundo. Teu amor terá de ser sempre luz num mundo escuro, calor num mundo frio, paz perene em guerra eterna. Só ele odeia o ódio e guerreia contra a guerra. Solvente universal onde se diluem todas as diferenças e conflitos, apenas ele tem o poder de apagar os passados mais vermelhos e os mais negros. Mesmo o que não pode definitivamente ser destruído, pode ser absorvido, envolvido e vencido em teu amor.
Como disse alguém: O amor nasceu de Deus, e só em Deus pode descansar, acima de todas as coisas (Thomaz de Kempis).
(Este texto é parte integrante do livro LIÇÕES DE AMOR)
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