Sexo e Casamento à Luz da Bíblia

Por Eguinaldo Hélio de Souza

 

As universidades e muitas escolas públicas ensinam que, em relação ao sexo, durante a puberdade é normal que um rapaz tenha pensamentos de luxúria e pratique a masturbação. A sociedade ensina e aconselha as nossas jovens a tomarem pílulas anticoncepcionais, a usarem camisinha ou alguma espécie de dispositivo contraceptivo, e isso sem o consentimento dos pais! Alguns dizem que os homens devem até ter relações sexuais, se quiserem saber sobre o seu corpo, e que precisam do conhecimento sexual antes de entrar no casamento. Estas e outras declarações da mesma espécie criaram um espírito forte de luxúria e adultério, além de uma porta para a homossexualidade, o abuso, a imoralidade e a fraqueza em muitos jovens, em homens de meia-idade e até em idosos.1

Para as pessoas alheias ao evangelho, a Bíblia é um livro que simplesmente condena o sexo como algo sujo, pecaminoso e destrutivo (leia o artigo O que é pecado original?). Ser cristão significa deixar de praticar sexo ou pelo menos reduzi-lo ao máximo, mesmo dentro do casamento. Ele seria inerentemente mal, em qualquer situação ou circunstância. Ainda há aqueles que pensam que a prática sexual contrasta com a espiritualidade: ou o indivíduo é alguém sexualmente ativo e pouco espiritual ou alguém que se abstém o máximo possível do sexo para se tornar espiritual.

Esses pensamentos não têm suas raízes na Bíblia. É muito fácil apontar dentro do cristianismo, seja nos escritores do período pós-apostólico, seja em escritores relativamente recentes essa posição negativa com relação ao comportamento sexual. Todavia, quando tratamos do cristianismo como movimento histórico, temos de admitir que ele sofreu influência de inúmeras correntes de pensamentos e nem todas elas têm necessariamente respaldo bíblico. Nem sempre o que o cristianismo disse e fez é o que a Bíblia diz e aconselha.

Ainda que o assunto envolva principalmente questões morais e éticas, ele não fica fora do campo da teologia. Ideias erradas sobre esse assunto também têm sua raiz na ignorância bíblica. O celibato clerical obrigatório dentro do catolicismo romano contribui muito para um entendimento errado sobre o sexo. Esses enganos têm contribuído negativamente para afastar as pessoas da verdade divina sobre esse assunto, conforme revelam as Sagradas Escrituras.

O engano de relacionar a queda do homem ao sexo

Uma das manifestações mais comuns de erro nessa área está relacionada com a narrativa de Gênesis 3, sobre a queda espiritual do homem. O senso popular compara a descoberta do sexo com a queda do homem no pecado. Tal ideia é absurda, pois as relações sexuais existiam até mesmo antes da queda, uma vez que a ordem de Deus era que o primeiro casal crescesse e se multiplicasse (Gn 1.28) o que, obviamente, presume relações sexuais.

Após criar o ser humano, homem e mulher, como seres sexuais, a Bíblia diz que Deus olhou tudo quanto havia feito e viu que “era muito bom” (Gn 1.31). O prazer sexual existente no casamento foi uma criação de Deus, considerada por ele algo muito bom.

Essa identificação do sexo com o pecado deriva mais do conceito grego da malignidade da matéria do que da própria Bíblia. Essa posição da cultura grega que atribuía um mal inerente à matéria se manifestou principalmente no gnosticismo. “Os gnósticos, que identificavam a matéria com o mal, procuravam uma forma de criar um sistema filosófico em que Deus como espírito seria livre da influência do mal e no qual o homem seria identificado, no lado espiritual de sua natureza, com a divindade”, escreveu Earle Cairne.2

Não existe na Bíblia a condenação ao sexo, e sim à sua prática fora de qualquer padrão. Quando Paulo alistou as obras da carne em Gálatas 5.19, não mencionou as relações sexuais entre elas, mas apenas as práticas da fornicação, da impureza e da lascívia, ou libertinagem. Na teologia paulina, carne e corpo não são equivalentes. O corpo, em seu sentido físico, é descrito pela palavra grega soma, e se refere à parte física do ser humano. Quando ele fala de carne, usa o termo grego sarx, de tradução difícil, mas cujo sentido é bastante compreensível em todos os seus escritos.

Em suas epístolas carne é: 1) Inimiga mortal do pneuma, isto é, do espírito (Gl 5.17); 2) Muito mais do que o corpo; 3) Aquilo que é meramente humano, em contraste com aquilo que também é divino (2Co 1.17); 4) Normalmente, considerada pecaminosa por natureza (Rm 8.3).

Segundo a definição de William Barclay: “A carne é o homem de conformidade com aquilo que permitiu que viesse a ser, em contraste com o homem que Deus pretendeu que ele fosse. A carne representa o efeito total do pecado do homem sobre si mesmo e do pecado dos seus pais e de todos os homens que existiram antes dele. A carne é a natureza humana conforme se tornou através do pecado. O pecado do homem e o pecado da humanidade tornou-o, por assim dizer, vulnerável ao pecado. (…) Fez dele uma pessoa tal que não pode nem evitar o fascínio pelo pecado nem resistir ao poder do pecado. A carne é o homem enquanto está separado de Jesus Cristo e de Seu Espírito Santo.”3

Para tornar clara a diferença entre o corpo e a carne, podemos dizer que comer é uma necessidade natural do corpo, enquanto a gula é obra da carne. O sexo é uma necessidade natural do corpo, enquanto a prostituição, o adultério, a imoralidade, a homossexualidade e a libertinagem são obras da carne. Obras da carne são ações que desvirtuam as necessidades do corpo. Essa é a visão bíblica no que diz respeito ao sexo.

O engano de ignorar os limites

Sim, a Bíblia restringe a prática sexual ao casamento. E essa exigência não tem sua origem na condenação do sexo, mas naquilo que o mesmo representa. Não é fruto de um Deus tirano ou de algum fanático religioso que não deseja a felicidade das pessoas, mas de um Pai amoroso que não deseja que eles se machuquem com algo que, embora bom, pode se tornar nocivo ou até destrutivo.

Doenças venéreas, abortos, mortes por abortos, estupros, incestos, homossexualidade, traumas infantis, rejeição de crianças, conflitos humanos e outras situações danosas ocorrem pelo descontrole da prática sexual. Isso sem levar em conta os dramas humanos, os complexos de culpa e os efeitos espirituais dos pecados sexuais. Se pecado é errar o alvo, pecado sexual é usar o impulso sexual de uma maneira para a qual ele não foi criado. Se ele foi criado para unir duas vidas para que essas gerem uma família temente a Deus, então precisa haver limites que o proteja da imoralidade (1Co 7.2).

O cuidado com o qual a Bíblia cerca a vida sexual não acontece por atribuir ao sexo algum caráter nocivo em si mesmo. Pelo contrário, por considerar o sexo algo precioso e, de certa forma, poderoso dentro do contexto da existência humana, ele então precisa ser canalizado para um relacionamento sólido chamado casamento.

O homem é um ser criado à imagem e semelhança de Deus, sendo a mais sublime das criaturas de Deus. E por meio da relação sexual o homem tem poder para criar outro ser com essa mesma característica de imagem divina. O poder de criar uma nova vida, um novo ser humano é algo que exige grande cuidado e responsabilidade.

“É óbvio que qualquer coisa tão poderosa quanto o sexo precisa ser controlada. Ninguém em sã consciência deixaria crianças imaturas brincar com dinamite. Nem qualquer agente responsável tornaria as armas atômicas disponíveis ao público em geral. Mesmo assim, o sexo, de muitas maneiras, é mais poderoso do que a dinamite e o poder atômico. A única posição razoável que se pode adotar a respeito de qualquer força tão poderosa como o sexo é que ele deve ser controlado ou regulado. Deve haver uma maneira de canalizar e dirigir o impulso sexual para o bem dos próprios seres humanos.”4

Quando pensamos no mundo que nos rodeia, onde o sexo parece ter adquirido um status de elemento principal na vida humana, o conflito ganha proporções gigantescas. A posição radical da Bíblia parece uma loucura, pois como diz o apóstolo Paulo, “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, pois lhe parecem loucura” (1Co 2.14). A moral cristã sempre foi, durante toda a história, uma força poderosa para limitar as forças sexuais corruptoras da sociedade.

No campo da teoria, a posição freudiana com relação ao sexo contestou os baluartes bíblicos, minando sua força pouco a pouco. Na prática, o movimento de liberação sexual dos anos 60 e 70 fez cair as barreiras comportamentais restantes. Depois, as descobertas da ciência no campo da contracepção cuidaram de desvincular o sexo da procriação, o que acelerou ainda mais o processo de sexualização da sociedade.

O quadro atual contribui ainda mais para contrastar a Bíblia com a atitude sexual reinante. Longe de negar o valor da moral cristã, que sempre procurou canalizar os impulsos sexuais, o que vemos é uma demonstração de que há algo fora do normal neste mundo.

“A castidade é a menos popular das virtudes cristãs. Porém, não existe escapatória. A regra cristã é clara: Ou o casamento, com fidelidade completa ao cônjuge, ou a abstinência total. Isso é tão difícil de aceitar e tão contrário aos nossos instintos, que das duas, uma: ou o cristianismo está errado ou o nosso instinto sexual, tal como é hoje se encontra deturpado.”5 Diante do que vimos acima, é óbvio que o problema está na natureza humana.

Mesmo fora do contexto cristão e escriturístico, a necessidade do casamento é fundamentada. Em sua história da sexualidade, Michel Foucault resgata a posição de alguns pensadores sobre o assunto. “Se existe alguma coisa conforme a natureza, essa coisa é casar-se, disse Musonius Rufo. E Hieroeles, para explicar que o discurso que sustenta sobre o casamento é tudo o que existe de mais necessário, afirma que é a natureza que leva nossa espécie a uma tal forma de comunidade.”6

O casamento, a Bíblia e o sexo

Sem sombra de dúvida, a Bíblia exalta o casamento e mais precisamente o amor sexual dentro da união matrimonial. Os salmos 127 e 128 apresentam a família como uma demonstração da bênção divina sobre aquele que teme a Deus. Entre os motivos pelos quais um homem podia ser dispensado da guerra, estava o noivado (Dt 20.7). “Quando algum homem tomar uma mulher nova, não sairá à guerra, nem se lhe imporá carga alguma; por um ano inteiro ficará livre na sua casa e alegrará a sua mulher, que tomou” (Dt 24.5, 6).

O dever cívico era inferior ao dever marital. Com certeza, entre as alegrias aqui definidas está o prazer sexual presente no casamento.

Definitivamente, não há qualquer grau de pecaminosidade no casamento e especificamente no ato sexual praticado dentro deste. “Se te casares não pecas e se a virgem se casar esta não peca” (1Co 7.28). Na verdade, dentro do casamento, a relação sexual é tão natural, que qualquer tentativa de evitá-la por parte de um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, torna-se um pecado cujas consequências podem ser desastrosas (1Co 7.3-5). Dentro do casamento, o sexo exerce as funções de criar unidade entre o casal, proporcionar prazer e trazer a existência novos seres humanos.7

Um fato ignorado pela Igreja ao longo dos séculos foi que todo um livro do Antigo Testamento, o livro de Cantares de Salomão, é dedicado ao amor físico entre um homem e uma mulher. Ainda que alguns rabinos o tenham contestado, outros, porém o tiveram em alta conta. Akiba, um rabino do segundo século depois de Cristo, dizia que “todos os Escritos são santos, porém o Cântico dos Cânticos é o Santo dos Santos.”8

Basta lê-lo sem qualquer preconceito e perceber o quanto o amor conjugal é nele exaltado. Infelizmente, por não saber lidar com esta verdade, ele foi completamente alegorizado, como se seu sentido fosse apenas representar o amor de Deus por Israel ou de Cristo pela Igreja. Poucos ousaram dar-lhe um sentido literal. Entre esses poucos está Teodoro de Mopsuéstia, que viveu entre os séculos IV e V e o considerou uma verdadeira poesia de amor.9

Diante de um mundo repleto de ofertas sensuais que minam a moral da humanidade, uma vida sexual satisfatória dentro do casamento é apresentada pela Bíblia como uma atitude sábia e salutar. Não há lugar para ascetismo ou para qualquer concepção de sexo pecaminoso dentro do casamento. Ele deve ser prazeroso e satisfatório. “Bebe a água da tua cisterna e das correntes do teu poço. Derramar-se-iam por fora as tuas fontes, e pelas ruas, os ribeiros de águas? Sejam para ti só e não para os estranhos contigo. Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade, como cerva amorosa e gazela graciosa; saciem-te os seus seios em todo o tempo; e pelo seu amor sê atraído perpetuamente. E por que, filho meu, andarias atraído pela estranha e abraçarias o seio da estrangeira? Porque os caminhos do homem estão perante os olhos do Senhor, e ele aplana todas as suas carreiras.” (Pv 5.16-22).

A Bíblia, coerente e sábia

A negação dos instintos sexuais é uma incoerência. A plena liberação dos mesmos, sem qualquer recurso de contenção seria igualmente uma incoerência. A prática do sexo dentro do contexto da fidelidade conjugal é a resposta divina. Diante do ascetismo monástico, proclamado por um cristianismo não bíblico e uma devassidão sexual defendida por uma geração sem temor a Deus, levanta-se a Bíblia como o caminho seguro entre os dois, possibilitando ao homem satisfazer suas necessidades de forma segura e sadia.

Seguir as Escrituras, também nesse assunto, não é de modo algum negar a nossa humanidade. É antes estabelecê-la como ela deve ser.

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Notas 

1 SHELIA, Cooley. O porquê do hímen. São Paulo: Graça Editoria, 2002. p.7.

2 CAIRNS, Earle E., O cristianismo através dos séculos, São Paulo: Vida Nova, 1992. p.81.

3 BARCLAY, William. As obras da carne e o fruto do Espírito. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.24.

4 GEISLER, Norman L., Ética cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988. p. 169.

5 LEWIS, C.S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.126.

6 FOUCAULT, Michel. A mulher/Os rapazes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p.12.

7 GEISLER, Norman L., Ética cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988. p. 172.

8 SKARSAUNE, Oskar. À sombra do Templo. São Paulo: Vida, 2001. p.295.

9 OLSON, Roger. História da teologia cristã. São Paulo: Vida, 2001. p.207.

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